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Acampamento Cipó Cortado: um exemplo de resistência no campo
Coordenação Regional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

O Acampamento Cipó Cortado está localizado na zona rural de Senador La Roque, a 60 km do centro da cidade. O caminho para o acampamento é uma estrada de terra cheia de buracos, sem conservação pela prefeitura. No inverno, por causa das chuvas, aumenta a dificuldade de deslocamento das pessoas e da produção para o município. O transporte de passageiros é realizado em ônibus velhos que quebram toda semana por causa das condições precárias da estrada.


Para entender como o Acampamento Cipó Cortado se organiza para conquistar a terra, temos que entender o significado das ações de resistência nessa área de conflitos agrários.

A luta pela posse e uso da terra está dentro de uma disputa de território entre grileiros e sem terras. A área está no território de interesse do agronegócio e dos grandes projetos para a região Tocantina. De um lado, isso provoca um jogo de interesses dos latifundiários, que querem se apropriar da terra. Do outro lado, temos a resistência dos camponeses para continuar no seu território.

A área Cipó Cortado atualmente está dividida em quatro propriedades, localizadas nos municípios de Senador La Roque, João Lisboa e Amarante. O objetivo dos fazendeiros é “legalizar o grilo” dessas fazendas: Rolete (2.092,66 hectares), Itaipava (3.093,40 hectares), Cipó Cortado (2.052,71 hectares) e Beira Rio (1.030,54 hectares).

A origem da resistência
No dia 26 de novembro de 2006, famílias de trabalhadores sem terras decidiram romper a cerca do latifúndio e acamparam na Fazenda Cipó Cortado. O motivo foi a necessidade de ter terra para trabalho e moradia.

Assim, os trabalhadores demarcaram a disputa por um território anteriormente grilado, e começaram um movimento de enfrentamento com a grilagem na região e o poder judiciário.
A luta por terras na região é antiga. No livro “Grilagem: corrupção em violência em terras do Carajás”, o padre Vitor Asselin explica como aconteceu a limpeza da área Cipó Cortado pelos grileiros nos anos 1970.

Em maio de 1975, foram feitas seis vítimas na fazenda Alvorada, área grilada pelo advogado Itamar Lourenço Ribeiro, de Goiânia. O massacre foi por vingança. Em abril do mesmo ano, tinham sido assassinados, naquela fazenda, o administrador Marco Antônio e um motorista. Então, um bando de onze jagunços foi até o lugar Cipó Cortado, na fazenda Alvorada, e matou a tiros cinco posseiros e feriu uma mulher na perna. O próprio Itamar contou esses fatos a amigos seus de Goiânia. Os criminosos ficaram com os cadáveres das vítimas, para que não fossem sepultadas, servindo de exemplo para os outros trabalhadores.

Esse é o retrato da violência vivida pelos camponeses naqueles anos. Despejos, assassinatos dos posseiros – em sua maioria, nordestinos fugindo da seca e da cerca, achando que tinham encontrado seu lugar na terra, para a produção e moradia. Muitos perderam sua terra, sua vida, sua família.

Hoje, o Acampamento Cipó Cortado traz de volta esse debate sobre a grilagem da área de terras públicas. No caso, a gleba Boca da Mata / Barreirão, que é da União Federal (do Governo Federal), e deve ser usada para a Reforma Agrária.

Os trabalhadores lutam por uma vida digna, sem exploração
Os sem terra que ocupam a Cipó Cortado não aceitam aexploração que sofrem outros trabalhadores da região.

Esses trabalhadores são explorados quando prestam serviço para outras pessoas nas fazendas, nas roças, pagando com renda, produto, dinheiro ou mão de obra. A exploração também acontece na pecuária (gado), com o trabalho semi-assalariado, ou mesmo com o uso de trabalho escravo.

Nessa realidade de exploração, ocupar e produzir na terra é uma verdadeira mudança na vida dos trabalhadores da Cipó Cortado. Os trabalhadores deixam de ser objeto na mão dos outros, e se transformam em sujeitos da luta pela terra, construindo sua própria história.

Essa organização é parte de um longo processo de luta: a resistência já dura 07 anos. A ocupação, organizada pelo MST, enfrenta adversários poderosos. De um lado, estão os sem terra, que produzem na terra alimentos como arroz, feijão, milho, fava, animais, carnes e verduras. Do outro lado, estão os grileiros, que não moram na terra e que tem interesse de legalizar sua grilagem usando o Programa Terra Legal, criado por uma lei do Governo Federal em 2011.

A luta dos trabalhadores pela terra tem provocado reações violentas dos latifundiários grileiros da região. Eles sempre estiveram acostumados, até então, com a prática de grilagem, expulsando os camponeses das terras, usando documentos forjados nos cartórios. Além das trapaças nos cartórios, os grileiros sempre usam a violência. Isso é feito através de perseguições a lideranças e contratação de pistoleiros para invadir o acampamento, gerando uma situação permanente de conflito.

A organização é o único caminho para chegar à vitória
Os acampados da Cipó Cortado se organizam em grupos de dez famílias. Cada grupo tem uma Coordenação formada por um homem e uma mulher, o que é importante para mostrar que homens e mulheres são iguais em direitos e responsabilidades.

A Coordenação organiza reuniões. Nelas, cada grupo discute seus problemas internos e busca soluções, e trata também de questões externas – como mobilizações, audiências, reuniões e questões ligadas à produção de alimentos. Nas reuniões, as tarefas são distribuídas entre o coletivo.

A Assembleia Geral é o espaço mais importante das instâncias do acampamento, onde todas as Coordenações se reúnem.

Além dela, existe a Associação. A Associação tem o papel de encaminhar questões ligadas aos aspectos legais e administrativos da comunidade, sempre a partir dos encaminhamentos da Assembleia Geral.

O acampamento tem o potencial produtivo da pequena agricultura camponesa, como o arroz, milho, feijão, mandioca e hortaliças, que são vendidas no mercado municipal de Senador La Roque e Imperatriz. Além disso, há a criação de animais: galinha, porco e uma pequena quantidade de gado leiteiro para o consumo interno.

Tudo isso é feito sem a ajuda do poder público (governo). Apesar de uma parte importante da população de Senador La Roque morar no campo ou viver da produção agrícola, não há no município incentivo financeiro ou assistência técnica à pequena agricultura por parte das instituições públicas.

As famílias acampadas resistem e produzem na terra, mesmo com a ação dos grileiros da região. A organização e a persistência são o maior instrumento de sua luta rumo à conquista da terra.
 
Reforma Agrária JÁ!!!
Não à grilagem!!!

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